Manifesto por uma reforma tributária responsável

27 de novembro de 2020
Por: Vânia Rios

O  mundo  está  mergulhado  em  profunda  incerteza. Não  se  conhecem  a  real extensão,   os   desdobramentos   e   os   possíveis   efeitos   econômicos   e   sociais   da pandemia.  Menos  ainda  é  possível  avaliar  os  impactos  e  possíveis  distorções  que serão  provocados  nas  atividades  empresariais  ou  nas  alterações  estruturais  do  perfil de produção e consumo, e que poderão perdurar nos próximos meses e, talvez, anos.

Neste cenário crítico e assustador, discutir superficial e açodadamente uma Reforma Tributária   é   correr   o   risco   de   tomar   decisões   de   impactos   imprevisíveis   e possivelmente equivocados.

Qualquer    reforma    desta    importância    deve    ter    seus    detalhes    amplamente discriminados  e  conhecidos  por  todos  os  agentes  econômicos.  Mais  ainda,  sua configuração   final   deve   estar   embasada   em   minuciosos   estudos   de   impacto, elaborados  tanto  pelo  setor  privado,  mas,  principalmente,  pelo  poder  público,  e submetidos ao escrutínio de todos os setores da sociedade brasileira.

Infelizmente isto não está ocorrendo no Brasil.

Não se conhece o projeto idealizado pelo governo, aí incluído os Poderes Executivo e Legislativo. Discute-se apenas a tributação do consumo, mesmo, assim com vários e diferentes projetos encampados por distintos grupos dentro da administração pública e do setor privado. Pouco ou nada se fala concretamente sobre a tributação da renda, do  trabalho,  do  patrimônio,  todas  sabidamente  necessitadas  de  reformas  e  que  ao serem  feitas  de  forma  fragmentada,  poderão  resultar  em  um  sistema  tributário disfuncional e desarticulado em seu conjunto.

Os  poucos  estudos  que  têm  sido  utilizados  para  servir  de  base  às  propostas  em tramitação   no   Congresso   Nacional   são   patrocinados   por   grupos   de   interesses específicos,  o  que  compromete  as  indispensáveis  imparcialidade  e  prevalência  do interesse nacional.

Ainda   mais   desconcertantes   são   as   manifestações   de   lideranças   políticas   que anunciam  a  imediata  aprovação  do  parecer  da  PEC  45,  logo  em  seguida  à  sua apresentação, interditando-se o indispensável debate público.

Em realidade, somente com a publicação de seu parecer é que a sociedade finalmente saberá  quais os contornos da proposta em tramitação. E apenas nesse momento  será possível  uma  avaliação  de  seus  impactos  na  economia  brasileira,  após  estudos  e avaliações a serem colocados para discussão pública.

A  Nação  brasileira  clama  por  uma  ampla  Reforma  Tributária.    Mas  que  ela  venha sem imposições ou pratos feitos, considerando que neste tema não existem verdades absolutas, nem fórmulas milagrosas. É, sobretudo, necessário que haja equilíbrio nas proposições e que todos os setores da sociedade possam ver com clareza os custos da proposta e seus impactos sobre as empresas e a renda das famílias, além de avaliarem se  os  presumidos  benefícios  não  estão  sendo  capturados  por  segmentos  com  forte poder político e econômico, como parece estar ocorrendo no momento.

O atual caminho trilhado pelas autoridades públicas carece de clareza e transparência. Prosseguir   dessa   forma   é   não   apenas   inconveniente,   mas   sobretudo   altamente arriscado.

Há questões sobre as quais restam muitas dúvidas. Qual é a situação da economia no momento?  Como  será  a  economia  pós  pandemia?  Quais  foram  os  seus  impactos sobre os diferentes setores e como estarão na retomada? A  recuperação do emprego não  deveria ser  a  prioridade  na  saída  da  crise?  Como  financiar  a  previdência  com  a evidente erosão de sua base contributiva, a folha de salários?É racional promover mudanças profundas no sistema tributário sem respostas prévias e convincentes às questões mencionadas acima? Claro que não!

Quais são os riscos de impor mais ônus, burocracia e dificuldades para os setores que mais sofreram e serão os últimos a se recuperar, como o setor de serviços prestados às pessoas físicas, para os quais se prevê enorme aumento de incidência tributária?

O  que  se  pretende  com  as  mudanças  do  PIS/COFINS,  que  segundo  seus  autores pretendem   simplificar   a   cobrança   desses   impostos   tornando-os   mais   justos   e modernos?  Será  a  completa  eliminação  de  todos  os  benefícios  e  isenções  e  a imposição de  uma  alíquota  única  sobre  o  valor  agregado  o  melhor  caminho  para atingi-los? Não há certeza quanto ao isso; ao contrário, há uma montanha de dúvidas.

Lograr-se-á  a  simplificação  do  sistema  tributário  com  a  eliminação  de  regimes tributários   diferenciados como   o   Simples,   um   caso   de   sucesso   mundialmente reconhecido,  ou  como  o  Lucro  Presumido,  largamente  preferido  pelas  empresas  por sua simplicidade, ainda que, muitas vezes, ao custo de uma carga  tributária superior ao regime do lucro real? Tais dúvidas não podem perdurar enquanto se caminha em direção  a  profundas  alterações,  ou  até  mesmo  para  a  supressão,  desses  institutos quando  se  sabe  que  apenas  3%  das  empresas  estão  no  Lucro  Real  e  que  é  quase universal  a  opção  pelo  Lucro  Presumido  ou  pelo  Simples.  Seria isto  simplificação?

As  empresas  passarão  a  ser  obrigadas  a  fazer  toda  escrituração  e  contabilidade  de custos,  embora  a  maioria  não  tenha  créditos  a  aproveitar.  Para  muitas,  os  custos adicionais da burocracia serão superiores aos créditos a serem apropriados e os custos administrativos   públicos   de   fiscalização   e   de   resolução   de   conflitos   seriam multiplicados.

O caminho de uma reforma tributária prudente e responsável não estaria inicialmente na revisão de normas e da legislação infraconstitucional?

Embora em teoria a alíquota única possa ser a mais eficiente, a prática internacional, sempre alegada em defesa de teses específicas, não sanciona essa posição. Tributação é  uma  construção  social  específica  em  cada  sociedade  e  não  um  experimento laboratorial, centrado em axiomas tão rigorosos quanto irrealistas.

Houve  uma  avaliação  do  impacto  da  unificação  tributária  em  possível  agressão  ao modelo  de  federalismo  fiscal  esculpido  em  nossa  Constituição?  Como  justificar  a transferência de receitas dos Municípios para os Estados, em um momento em que o ISS  é  o  tributo  que  mais  cresce  e  quando  os  encargos  de  prestação  de  serviços públicos concentram-se crescentemente na órbita municipal?

Todos a favor de uma Reforma Tributária.

Contudo, será inaceitável que o desenlace desse processo, que já perdura há décadas, termine  com  a  aprovação  feita  de  forma  açodada  e  a  toque  de  caixa  para  cumprir metas políticas divorciadas dos reais interesses da sociedade brasileira.

Há que se dar tempo suficiente para que todos possam analisar à exaustão o parecer da  proposta.  Há  que  se  dar  a  oportunidade  aos  órgãos  técnicos  do  Executivo  e  do Congresso, bem como do setor privado, para que façam avaliações consistentes.

E  durante  este  período,  que  a  pressa  seja  concentrada  na  urgente  tarefa de  rever  o outro  lado  da  equação  fiscal:  os  gastos  públicos  e  o  orçamento,  ainda  pendentes  de definição.

Afinal,  muito  se  fala  de  Reforma  Tributária,  mas  ninguém  é  capaz  de  dizer  qual  o projeto que está na pauta deste amplo debate nacional. PEC 45? PEC 110? Simplifica Já? Imposto Único Federal? Reformas infraconstitucionais? Ou alguma das centenas de emendas apresentadas por parlamentares? Apenas  com  a  publicação  do  ainda  desconhecido  parecer  à  PEC  45,  o  País  irá conhecer  os  pormenores  da  proposta.  Para  isso  será  necessário  tempo  para  reflexão, estudos de impacto e sobretudo muita responsabilidade em um momento tão delicado por que passam o Brasil e o mundo.

Que a sociedade brasileira não seja atropelada por decisões precipitadas. Afinal, não se conhece, até o momento, qual é, de fato, a proposta de reforma tributária.

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