Risco de acidente de trabalho cresce com home office, diz presidente do TRT

20 de julho de 2021
Por: Vânia Rios

Presidente do maior Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do país, sediado em São Paulo (2ª Região), o desembargador Luiz Antonio Moreira Vidigal entende que o home office traz ganhos, mas também riscos para as empresas. Podem estar sujeitas, segundo ele, a responder na Justiça por um maior número de acidentes de trabalho. “O fato de um trabalhador escorregar no chão molhado da cozinha não deveria ser considerado acidente de trabalho. Porém, fica mais difícil para a empresa comprovar que o fato não ocorreu no momento em que estava efetivamente a seu serviço”, diz.

Entre março de 2020 e junho deste ano, mais de cinco mil processos sobre o assunto foram ajuizados onde atua o TRT – São Paulo, região metropolitana e Baixada Santista. Não é possível precisar quantos dizem respeito a incidentes ocorridos na casa do funcionário. Mas a configuração de acidente de trabalho gera uma série de obrigações para o empregador, como o afastamento remunerado.

Apesar de reconhecer pontos positivos do home office, Vidigal aponta deficiências a serem superadas, como infraestrutura – wi-fi, por exemplo. Em entrevista ao Valor, destaca ainda outros riscos a serem colocados na balança, como a quebra do comprometimento dos funcionários. “O que causa a perda de clientes e prejuízos”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que a pandemia deixará de herança para as relações de trabalho?

Luiz Antonio Moreira Vidigal: O uso de novas tecnologias para o exercício de algumas atividades é um ponto positivo do legado deixado pela pandemia. Permite mais flexibilidade e eficiência na realização do trabalho remoto – pouco utilizado até então. O número de automóveis nas ruas no horário de pico tende a diminuir, as pessoas, provavelmente, não terão necessidade de morar nos grandes centros urbanos e as empresas não precisarão manter imensos imóveis para acomodar a todos. Por outro lado, a popularização do teletrabalho traz novos obstáculos que devem ser superados.

Valor: Quais obstáculos?

Vidigal: A falta de domínio das ferramentas digitais por boa parte da mão de obra brasileira e a dificuldade que os mais vulneráveis têm de acesso a redes de wi-fi e pacotes de dados. O trabalho realizado de maneira isolada, em casa, também enfraquece os laços associativos e, consequentemente, obriga os trabalhadores a pensarem em formas inovadoras de continuidade dos movimentos reivindicatórios e sindicais.

Valor: O home office e o trabalho híbrido podem gerar riscos para o trabalhador?

Vidigal: Sim. Deixa os trabalhadores mais suscetíveis a riscos ergonômicos. Estudos demonstram ainda que o teletrabalho gera aumento da violência doméstica. Temos hoje um meio ambiente de trabalho expandido que vai além dos muros da empresa. A OIT [Organização Internacional do Trabalho], por meio da Convenção 190, reconhece a ligação entre violência doméstica e trabalho remoto e sugere ações para o enfrentamento do problema. Infelizmente, o Brasil não chegou a ratificá-la. Há que se ressaltar, ainda, o aumento de doenças psíquicas.

Valor: E para os empregadores?

Vidigal: Dificulta o exercício da fiscalização sobre o trabalho realizado em casa. A ausência de comunicação direta e presencial pode gerar ruídos e contratempos na execução do processo produtivo e, consequentemente, retrabalhos e perdas. Menciono ainda o risco de não adaptação da mão de obra a esse novo modelo e, com isso, a quebra do comprometimento da equipe com relação aos critérios de visão, missão e valores, além da perda da harmonia identitária da empresa, o que causa a perda de clientes e prejuízos.

Valor: Acidentes domésticos podem ser configurados como de trabalho?

Vidigal: Sim. O empregador, ao transferir o ambiente de trabalho para a residência do trabalhador, pode sujeitar-se a um maior número de caracterizações de acidentes de trabalho. Ficará mais difícil demonstrar que determinado infortúnio ocorrido em casa não decorreu do exercício do trabalho, já que a residência passou a ser o novo ambiente de trabalho. Por exemplo: o fato de um trabalhador escorregar no chão molhado da cozinha, quando foi buscar um copo d’água ao levantar-se pela manhã, não deveria ser considerado acidente de trabalho. Porém, fica mais difícil para a empresa comprovar que o fato não ocorreu no momento em que estava efetivamente a seu serviço.

Valor: O senhor acredita que o incremento de uma vida digital, muito impulsionada pela pandemia, admite a configuração de novos vínculos de trabalho?

Vidigal: O artigo 6º da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] prevê que não se pode fazer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego – habitualidade, onerosidade, pessoalidade, subordinação jurídica e alteridade. Complementa que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Portanto, se presente a subordinação, o vínculo será de emprego, regido pela CLT.

Valor: Como avalia a realização de audiências por videoconferência? Elas devem continuar no pós-pandemia?

Vidigal: Havia certa resistência no início por parte de advogados e magistrados. Mas as pessoas se adaptaram e podemos dizer que tem sido uma experiência bastante exitosa. No segundo grau, a permanência das sessões virtuais e telepresenciais facilita o acesso dos advogados ao Judiciário, porque evita que esses profissionais tenham que se deslocar até a sede do tribunal. Há um pouco mais de dificuldade nas audiências de instrução, em que há oitiva de partes e testemunhas, mas esses obstáculos não são intransponíveis. Os benefícios de os processos não ficarem estagnados superam eventuais transtornos. Por isso, entendo viável a continuidade de audiências e sessões remotas após o término da pandemia.

Valor: Que conflitos nasceram durante a pandemia?

Vidigal: Questionamentos sobre despedidas por justa causa por recusa injustificada do trabalhador em usar máscaras de proteção e de se vacinar contra a covid-19 e conflitos quanto à correta aplicação pela empresa dos mecanismos de suspensão de contrato de trabalho e de redução da jornada, além de acidentes ocorridos em casa caracterizados como infortúnios do trabalho. (Fonte: Valor Econômico)
Fonte: Valor Econômico

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