STF começa a julgar validade do trabalho intermitente

3 de dezembro de 2020
Por: Vânia Rios

Entre janeiro e outubro foram admitidos 141.070 trabalhadores nesse modelo, mas 88.127 foram desligados, deixando um saldo de cerca de 50 mil vagas, de acordo com dados do Caged

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a validade do contrato de trabalho intermitente, modalidade criada pela reforma trabalhista, a Lei nº 13.467, de 2017. No trabalho intermitente, o trabalhador é remunerado apenas pelas horas trabalhadas, desconsiderado o período em que está “à disposição” da empresa. Para o ministro relator, Edson Fachin, o modelo não se coaduna com a dignidade da pessoa humana.

O julgamento foi suspenso e será retomado amanhã, com os votos dos outros dez ministros da Corte.

Nesse contrato, a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. O modelo só não se aplica aos aeronautas, que são regidos por legislação própria.

A previsão está nos artigos 443 e 452 da Lei 13.467. O valor da hora de trabalho não pode ser menor do que a hora do salário mínimo ou o valor pago aos demais empregados da mesma companhia que exerçam a mesma função. O trabalhador deverá ser convocado com pelo menos três dias de antecedência e terá um dia útil para responder. Há direito ao proporcional de férias, décimo terceiro e repouso semanal.

Em ação no STF, a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro) afirma que, embora o trabalho intermitente tenha sido criado sob o pretexto de ampliar vagas, essa forma de contratação leva a salários menores e impede a subsistência de trabalhadores — já que violariam o princípio da dignidade da pessoa humana e o da isonomia, previstos na Constituição Federal. Por isso questiona a validade do modelo.

O tema é julgado em três ações diretas de inconstitucionalidade, a de nº 5826, proposta pela Fenepospetro e as 5829 e 6154, também propostas por representantes de trabalhadores — a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel).

Enquanto representantes de trabalhadores alegam que a norma jurídica coloca o trabalhador na condição de maquinário, à disposição da atividade econômica empresarial, a defesa das empresas alega que essa modalidade de trabalho é constitucional e tem o potencial de aumentar a contratação de trabalhadores especialmente em períodos de crise.

O advogado da Fenepospetro e da Fenattel, Hélio Stefani, afirmou na sustentação oral que sob o pretexto de ampliar a oferta de vagas a trabalhadores num período de crise, há a precarização da relação de emprego, permitindo a oferta de salários inferiores ao mínimo constitucionalmente assegurado. Ainda segundo o advogado, o trabalhador é colocado como “mero objeto, ferramenta, maquinário” à disposição da empresa na hora que ela bem entender.

Já o advogado geral da União, José Levi do Amaral, afirmou que a Lei 13.467, ao regulamentar o contrato, não trocou direitos dos trabalhadores por empregos. “É equivocado colocar aqui o debate da precarização da relação de trabalho. A verdadeira precarização está na informalidade”, afirmou.

Contexto
O trabalho intermitente já pode ser adotado, mas algumas empresas ainda aguardam o aval do STF. Entre janeiro e outubro foram admitidos 141.070 trabalhadores nesse modelo, mas 88.127 foram desligados, deixando um saldo de cerca de 50 mil vagas, de acordo com dados do Caged. Em 2019, essa forma representou 1% das contratações com carteira assinada, segundo dado do IBGE.

Em outubro de 2020, foram criadas 10.611 vagas de trabalho intermitente e, na ocasião, o secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, disse que o modelo tem se mostrado ferramenta “valiosa” na retomada, a despeito da insegurança jurídica.

Voto
No STF, o relator das ações, ministro Edson Fachin, afirmou que a Constituição firmou um compromisso expresso com os direitos sociais. Citou o artigo 170 da Constituição, segundo o qual o trabalho é a base da ordem social e jurídica brasileira.

Ainda segundo o relator, com a intermitência, há instabilidade, já que o trabalhador não tem segurança sobre quanto irá trabalhar e receber. “Não há como afirmar que estão garantidos os direitos fundamentais se não houver chamamento à prestação de serviços”, afirmou no voto.

Sem a garantia de que será convocado a trabalhar, o trabalhador segue sem as reais condições de gozar de direitos sociais fundamentais, segundo o relator. “Essa modalidade de contrato de trabalho não se coaduna com a dignidade da pessoa humana.”

“Ainda que assegurado pagamento proporcional de 13º e adicionais legais, essas garantias podem se tornar insuficientes. É o que ocorre quando o trabalhador não tem qualquer previsibilidade sobre as horas que vai trabalhar no mês”, afirmou. Pela inconstância do trabalho, pode ser impossível conciliar dois ou mais tipos de intermitentes ou procurar outro emprego, sem conseguir a renda mínima que lhe deveria ser assegurada, segundo o relator. Por isso, aceitou o pedido feito nas ações.
Fonte: Valor Econômico

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